Um breve olhar psicológico sobre o Filme "A Bela e a Fera" (2017)



A Bela e a Fera é um dos contos de fadas mais conhecidos da literatura mundial. Foi escrito originalmente por Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve, em 1740, tornando-se mais conhecido em sua versão de 1756, por Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, que alterou significativamente a obra original. Uma história que faz emergir temas importantes para discussão à luz da psicologia.

Cabe aqui, antes de prosseguirmos, levantarmos uma importante questão: o que os contos de fadas podem nos revelar sobre a psique humana? Segundo Corso e Corso (2006, p. 21):
A psicanálise sente-se à vontade no terreno das narrativas, afinal, trocando em miúdos, uma vida é uma história, e o que contamos dela é sempre algum tipo de ficção. A história de uma pessoa pode ser rica em aventuras, reflexões, frustrações ou mesmo pode ser insignificante, mas sempre será uma trama, da qual parcialmente escrevemos o roteiro.

Com relação a adaptação em desenho animado realizada pelos estúdios Disney do conto de fadas "A Bela e a Fera", Corso e Corso (2006, p. 136) aduzem que:
[...] a trama foi simplificada, a família de Bela se resume a seu pai [...] Além disso, foi criado um rival para a Fera, sob a forma de um homem aparentemente atraente por fora, mas feio por dentro. De acordo com a sensibilidade que os homens devem demonstrar no amor, introduzida pelas mulheres após sua liberdade conquistada, a Fera é capaz de compreender os interesses intelectuais da jovem; o outro é um brutamontes, disposto a casar-se para fazer dela uma doméstica a seu serviço.

Por sua vez, a adaptação cinematográfica deste ano seguiu basicamente o mesmo roteiro do filme de animação de 1991, sem deixar escapar a magia do segundo, conforme evidenciado por Pires e Facchin (2010, s/n):
A personagem Bela [...] fascinou os telespectadores, pois, além de romper com os paradigmas de submissão da mulher e seu suposto desinteresse pelo conhecimento e pela cultura, mostrava-se uma mulher feminina e doce. Identificamos ainda no filme as mensagens de amizade, na relação dos funcionários do castelo com Bela e Fera, e de amor verdadeiro, no qual a beleza interior predomina em detrimento da aparência física.

Não são raros os livros e artigos disponíveis que promovem uma análise detalhada dos contos de fadas à luz da psicanálise. Bruno Bettelheim e Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso são especialistas no assunto.

A HISTÓRIA DO FILME

Bela (Ema Watson) é uma jovem de personalidade cativante, alegre, apaixonada por livros, que tem ideias criativas para lidar com as adversidades do cotidiano e que vive a maior parte do tempo fantasiando. Por destoar da personalidade das outras jovens da aldeia é rotulada como estranha pela maioria. Logo no início do filme, revela o desejo de deixar a aldeia e conhecer outros lugares. A mãe fora vítima da Peste quando ela ainda era bebê, sendo cuidada pelo pai, um um homem gentil e amoroso. Com o desaparecimento deste, Bela se aventura com o cavalo Filipe por terras desconhecidas, enfrentando vários perigos no intuito de resgatá-lo. Após embrenhar-se numa floresta, descobre um castelo e encontra o pai que é feito prisioneiro de um monstro por ter roubado uma rosa do seu jardim. Enganando o pai, Bela toma o seu lugar para que o mesmo seja libertado. Com o tempo, a jovem passa a conhecer mais sobre a história da Fera e daquele lugar misterioso, sendo a única capaz de quebrar o feitiço que desolara a região e transformara o príncipe numa criatura monstruosa.

UM BREVE OLHAR PSICOLÓGICO

É possível pensar inúmeros temas para abordarmos aqui. Por isso, abordaremos apenas dois. Também não é nosso objetivo esgotar a discussão sobre tais temas mas possibilitar que algumas reflexões sejam feitas à partir de algumas indagações levantadas.

1. O filme conta com um personagem gay no enredo, LeFou, que gerou muita polêmica há algum tempo. Para saber mais, acesse: https://robertosadovski.blogosfera.uol.com.br/2017/03/14/muito-barulho-por-nada-personagem-gay-em-a-bela-e-a-fera-passa-quase-despercebido/ O texto é de Roberto Sadovski, do Blog do Sadovski, da UOL. Destacamos a seguinte passagem:
Existe um temor sem o menor propósito de certos “defensores da família” que a arte, principalmente a Disney, abra mais espaço em suas obras para, simplesmente, mostrar o mundo como ele é: um caldeirão de diversidade.

No que se refere a homossexualidade, o psicanalista Joannides (2005, p. 401) aponta:
Sejamos francos: nossa cultura está assentada sobre o grande sonho heterossexual – casamento, filhos, sua própria casa e um belo plano de aposentadoria. Heterossexuais ou gays, pessoas que não endossam o grande sonho hetero, tendem a sentir-se marginalizados. Isto é particularmente verdadeiro para adolescentes gays, muitos dos quais tentam desesperadamente ajustar-se e se comportar como futuros procriadores.

Desta forma, conforme expressa Monteiro (2017, p. 51):
[...] não há nada de errado com a homossexualidade. No entanto, o sofrimento decorrente do fato de ser homossexual em uma sociedade intolerante, sim. O sofrimento merece atenção, intervenção.

E você, o que pensa a respeito de personagens gays fazerem parte do enredo de adaptações cinematográficas de histórias infantis?

2. O diferente é apresentado ao longo do filme como algo que deve ser evitado, considerando que o contato pode oferecer algum risco. A própria Bela é vista pelos demais como uma pessoa estranha devido ao seu comportamento que diverge do comportamento das outras jovens da aldeia. No entanto, é importante apontar que o local do nascimento da personagem não é o mesmo em que ela cresceu. E tendo sido trazida para a aldeia ainda bebê, a constituição psíquica da jovem se deu pelos cuidados paternos, ou seja, de alguém não pertencente à aldeia e sua cultura. Outro personagem é LeFou, já discutido anteriormente. Além destes, também temos a Fera, que passa ao longo da história por significativas transformações  antes mesmo do feitiço ser desfeito e da criatura voltar a ser príncipe. Mas é Bela quem o transforma e por ele é transformada. Seria o amor a tal força transformadora? Para Pires e Facchin (2010, s/n):
[...] a maneira como Fera e seus subordinados conquistaram sua donzela foi realizando suas vontades, alimentando o comportamento narcísico desta, como se realizassem a primeira função materna. Nesse ponto, Fera ganha de Gaston, pois ao perceber o interesse da moça por livros, dá a ela uma biblioteca inteira, ao passo que o segundo despreza totalmente esse hábito de Bela.

Ainda segundo Pires e Facchin (2010, s/n):
Comparando um ser humano neurótico com uma pessoa enfeitiçada, percebe-se que ambos podem apresentar, durante um período, um comportamento destoante e destrutivo para consigo e para com os outros, estando à mercê desta maldição, sentindo-se sem forças para lutar contra ela.

Assim como a transformação que ocorreu com as personagens do filme, o tratamento analítico é um método transformador capaz de libertar o que está recalcado, fonte geradora de sofrimento psíquico.



Referências

A BELA e a Fera. Direção: Bill Condon, Produção: David Hoberman e Todd Lieberman. Burbank (CA): Walt Disney Pictures, 2017.

CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mário. Fadas no Divã. Porto Alegre: Artmed, 2006.

JOANNIDES, Paul. Tudo sobre sexo: criativo, educativo e sexy! 2ª ed. São Paulo: Editora Landscape, 2005.

MONTEIRO, Rodrigo José Rulka. Psicologia e psicanálise: contribuições teóricas e práticas em ambiente de clínica escola. 2ª ed. Balneário Camboriú: Clube de Autores, 2017.

PIRES, Luísa Puricelli; FACCHIN, Tatiana Helena José. A Bela e a Fera: uma análise psicológica da personagem Bela. Aletheia, Canoas, n. 33, p. 45-55, dez. 2010. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942010000300005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 28 maio 2017.

SADOVSKI, Roberto. Muito barulho por nada? Personagem gay em A Bela e a Fera passa quase despercebido. 14 março 2017. Disponível em <https://robertosadovski.blogosfera.uol.com.br/2017/03/14/muito-barulho-por-nada-personagem-gay-em-a-bela-e-a-fera-passa-quase-despercebido/>. Acesso em 28 maio 2017.


Comentários

  1. Lindo filme! Realmente os Contos de Fadas nos possibilitam inúmeras e interessantes reflexões.

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  2. Os livros da Diana e Mário Corso que você utilizou como referência são muito bons. O do Bruno eu comprei mas não li ainda. Além deles, indicaria mais algum?

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